Desafios técnicos de vacas de alta produção
“Vacas de alta produção de leite implicam em menos impacto ambiental e mais lucratividade.”
Artigo publicado recentemente no Italian Journal of Animal Science, escrito por cientistas italianos de diferentes disciplinas, tenta abordar este importante tema. Comecei a consultar as principais fazendas leiteiras italianas no tópico de resfriamento de vacas nos últimos 5 anos com resultados muito bons (um webinar com nossas realizações foi fornecido por nossa empresa há algumas semanas).
Tomei a iniciativa de traduzir este artigo e colocá-lo à disposição dos produtores e profissionais brasileiros, pois os cientistas autores deste artigo estão convictos de que, para atingir esse objetivo, é necessária uma adequada mitigação do estresse calórico e que, sem ela, a manifestação do potencial de desempenho das vacas será impossível.
A produção mundial de leite de vaca atingirá entre 810 milhões e quase 1 bilhão de toneladas em 2050, implicando mudanças na gestão das fazendas leiteiras e implicações no impacto ambiental, especialmente no que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa (GEE) e excreções de nitrogênio e fósforo.
As futuras fazendas leiteiras precisarão se tornar mais inteligentes, lucrativas e de alto rendimento para melhorar continuamente a sustentabilidade da produção de leite. Entre os países ocidentais, a indústria de lácteos italiana apresenta bons desempenhos tanto na produção quanto na qualidade do leite. A maior parte do leite é destinada à produção de queijos de alto valor agregado. Ela pode representar um modelo para estudar o impacto da tendência fenotípica acelerada nos desafios técnicos e ambientais.
Assumindo um aumento médio constante da produção de leite igual à tendência fenotípica real, (128 kg por vaca/ano), a produção das melhores vacas atuais (20.000 kg/cabeça/ano), se tornará o desempenho médio do rebanho de fazendas leiteiras intensivamente manejadas em 2030. Assim, em comparação com a atual produção média italiana de leite por vaca, o aumento da produção anual causaria uma redução do impacto ambiental de 11,4% e 60,1% para GEE, 9,1% e 36,0% para N, 15,8% e 52,6% para P, quando considerados os dois cenários de maior rebanho leiteiro presente (12.000 kg/vaca/ano), ou a vaca de 20.000 kg, respectivamente. Para enfrentar esse desafio, são fornecidas sugestões técnicas de criação e alimentação.
Como administrar uma fazenda leiteira de alto rendimento
O manejo reprodutivo do rebanho deve considerar a avaliação individual das vacas para sua inseminação, enquanto as vacas que apresentam baixas taxas de concepção serão tratadas com transferência de embriões.
O período de espera voluntária deve ser decidido individualmente, portanto, uma previsão precoce da persistência da lactação pode ser fundamental para gerenciar o tempo ideal de inseminação para cada vaca individualmente, com benefícios econômicos para a fazenda. Recentemente, cientistas italianos desenvolveram um critério de discriminação para estimar a persistência da lactação para cada vaca aos 90 dias em leite (DEL), com um erro relativamente pequeno (12% das vacas).
Boas práticas são apontadas como fundamentais para fazendas virtuosas. O trabalho da equipe e o registro das informações como suporte à tomada de decisão também são sugeridos pelos produtores como componente essencial da condução da fazenda.
O estresse por calor afeta significativamente esses mecanismos, portanto, lactações persistentes, que podem permitir inseminações atrasadas, podem até depender de como os produtores de leite lidam com o estresse por calor em suas fazendas.
Galpões confortáveis para vacas leiteiras de alto rendimento
Recentemente o sistema de alojamento com cubículos (Free stalls) na zona de descanso e com áreas em concreto que permitem a locomoção está sendo totalmente reconsiderado, devido aos problemas ‘técnicos’ que este tipo de alojamento pode causar aos animais.
Além disso, a sensibilidade ética do consumidor na Itália e em todos os países europeus e desenvolvidos está cada vez mais atenta para garantir que os animais de fazenda tenham a chance de viver uma “vida digna”, o mais próximo possível daquela que teriam na natureza.
Um galpão adequado para acomodar vacas leiteiras de 20.000 kg/ano deve satisfazer plenamente sua etologia, removendo todos os fatores estruturais e sociais que podem inibir seu comportamento de alimentação e cio. Além disso, o galpão perfeito para essas vacas deve possibilitar o alcance do mais alto padrão de higiene e biossegurança possível, a fim de eliminar as doenças transmissíveis como importantes fatores de risco para a longevidade funcional das vacas.
Em março de 2017, a revista italiana de laticínios “RUMINANTIA” apresentou um modelo de gestão pecuária denominado em italiano “StallaEtica” (Galpão Ético), uma nova forma de manejo e alojamento de vacas leiteiras em equilíbrio entre sustentabilidade social (renda do fazendeiro), sustentabilidade ambiental e respeito ao direito da vaca.
Isso foi feito com o objetivo de tornar a vida das vacas digna e muito semelhante àquela que teriam na natureza. É uma abordagem holística que permite manejar vacas leiteiras com altíssimo desempenho produtivo, minimizando, na medida do possível, estresses, fontes de infecção e impactos ambientais.
De acordo com os pesquisadores, o StallaEtica para vacas leiteiras de 20.000 kg deve ser adequadamente equipado com sistemas de resfriamento que evitem que as vacas adoeçam e sofram grandes perdas econômicas devido ao estresse térmico.
O clima pode prejudicar direta e indiretamente o desempenho da produção leiteira italiana devido ao aumento do risco de altas temperaturas e de redução das precipitações nos últimos anos, portanto, estratégias adequadas de prevenção e mitigação do estresse por calor dentro dos galpões devem ser adotadas.
O objetivo é atingir uma situação em que a temperatura retal da vaca no verão nunca aumente mais que 0,5ºC acima do valor normal (38,5ºC) ao longo do dia, a frequência respiratória nunca suba acima de 80 respirações por minuto, e o consumo de ração não cair quando o ITU (Índice de Temperatura e Umidade) excede 75.
Segundo a opinião de cientistas italianos, os galpões do futuro provavelmente serão representados pelos “galpões cultivados”, onde a ampla área de descanso consiste em esterco seco (compost barn) ou de esterco com adição de matéria orgânica, como palha moída e serragem (compost-bedded pack barn).
Em ambas as soluções, o material de cama deve ser arejado pelo menos duas vezes ao dia usando um cultivador e criando uma fermentação aeróbia exotérmica cuja função principal é secar a cama.
A circulação de ar dentro do material da cama inibe o crescimento de todas as bactérias anaeróbias patogênicas envolvidas nas doenças do úbere. O sistema de alojamento do compost barn fornece uma área de descanso de pelo menos 17–20 m2 por vaca, enquanto o compost-bedded pack barn fornece de 10 a 12 m2.
Em compost barn, a grande área de descanso está disponível para caminhadas e apenas as vielas de alimentação são feitas de concreto. Isso permite que as vacas manifestem plenamente sua etologia, ou seja, interações sociais, brincadeiras e sinais de estro manifestados. A presença de um nível tão elevado de bem-estar animal e o aumento da chance de detecção de cio, têm o potencial de promover uma diminuição na necessidade de uso de inseminação artificial de tempo fixo, o que não é bem visto pelos consumidores europeus de leite devido ao uso intensivo de hormônios.
Certamente, galpões cultivados têm um impacto ambiental melhor, pois o lodo armazenado e então desviado para usinas de biogás ou campos é reduzido em comparação com aquela produzida em free-stall. A circulação de ar dentro da cama limita em muito a síntese do metano, que está principalmente envolvido na produção de GEE oriundo da pecuária.
Implicações ambientais de vacas leiteiras de alta produção
O aumento da produtividade é a principal estratégia para melhorar a sustentabilidade da agricultura em geral e a indústria de laticínios tem demonstrado seguir esta regra. Para verificar a relação entre a gordura entregue e o leite corrigido para proteína e a pegada de carbono (CF) e pegada de nitrogênio (NF), uma pesquisa em 282 fazendas leiteiras italianas mostrou que quanto maior o nível de produção de leite do rebanho leiteiro, menor é a pegada de carbono por unidade de leite produzida.
Usando a equação para os níveis de produção mais altos e aplicando-a a todo o setor de lácteos italiano, verificou-se que em 2018 as emissões globais de CO2eq diminuíram 31%, em comparação com 1990. Com a mesma produção de 2018, em 2030, haverá uma diminuição adicional de 8% se a tendência fenotípica atual for considerada, e de 42% se a média das fazendas atingir os 20.000 kg de leite por vaca anualmente.
Vacas altamente produtivas são mais eficientes no aproveitamento de nutrientes, inclusive N e P. Em comparação com a vaca leiteira média de 1990 com 4.210 kg/ano, uma vaca de alto mérito genético com 15.307 kg/ano permitiria em 2030 uma excreção de N de apenas 48% em comparação com 1990, e para P a excreção em 2030, assumindo a mesma melhoria na produção de leite vista acima, seria apenas 36% da excreção de P calculada para 1990.
Maior produção de leite implica em menos impacto ambiental e mais lucratividade
Um dos resultados da pesquisa de 282 fazendas leiteiras italianas foi a descoberta de que o nível de produção de leite é a variável mais importante que permite que as fazendas intensivas alcancem a melhor classificação em termos de eficiência técnica e desempenho econômico, expresso em termos de receita sobre custo de ração (IOFC).
Os dados da pesquisa mencionada acima foram usados para obter a partir do indicador de desempenho econômico (IOFC por vaca/ano) dois indicadores de desempenho ambiental (emissões de carbono e excreção de nitrogênio) das 282 fazendas italianas pesquisadas.
A partir da elaboração desses dados, observou-se uma forte relação negativa entre esses indicadores. Os rebanhos que podem atingir IOFC superior a 1.500 euros/vaca/mês, foram aqueles com pegada de carbono inferior a 1,30 kg de CO2 equivalente, por kg de leite produzido e excreção de nitrogênio inferior a 20 g/kg de leite.
Conclusões
A vaca de 20.000 kg do futuro já está entre as atuais fazendas leiteiras italianas. Como na maioria dos países com uma indústria de laticínios desenvolvida, as vacas com a maior produção italiana de hoje se tornarão as vacas com produção média no final desta década.
A seleção genômica para vacas de pico alto persistentes, juntamente com um retardo voluntário para a primeira inseminação de pelo menos 150 DEL, contribuirá para atingir este objetivo que exigirá novas técnicas de alimentação e reprodução, bem como a implementação de sistemas de mitigação de calor, para atender a estes desafios biológicos e gerenciais.
Alta ingestão de matéria seca, digestibilidade e palatabilidade da ração serão necessárias, e será essencial projetar novos galpões para garantir o número certo de acesso aos alimentos e um tempo ideal de ruminação.
Fazendas leiteiras de alto rendimento representam não apenas uma solução viável para aumentar a sustentabilidade ambiental da indústria de laticínios, mas também diminui seu impacto no meio ambiente, deixando para a restauração natural a terra necessária para produzir os alimentos e forragens necessários, e ao mesmo tempo, constitui a principal forma de atender à crescente demanda por leite e derivados prevista para as próximas décadas.
ISRAEL FLAMENBAUM
Especialista no estudo do estresse térmico em vacas leiteiras, professor na Hebrew University of Jerusalém, tem ministrado cursos e treinamentos sobre o assunto em diversos países.