Uso de dispositivos intra-vaginais para aumentar a eficácia do resfriamento em vacas leiteiras
O estresse térmico no verão é uma das maiores causas de perdas econômicas para fazendas leiteiras do mundo. Em regiões particularmente quentes, são relatadas quedas de mais de 1.500 litros por lactação em relação ao potencial produtivo da vaca, com perda potencial no lucro líquido anual de cerca de US$ 600 por animal. A otimização no resfriamento das vacas pode reduzir essas perdas para menos de 200 litros e para quase US$ 100, melhorando a rentabilidade por vaca em US$ 500, anualmente.
Nos últimos anos, começamos a usar data loggers (dispositivos que registram dados) intra-vaginais para avaliar a eficácia dos tratamentos de resfriamento recomendados para as fazendas leiteiras. Os dispositivos são inseridos na vagina da vaca usando o dispositivo CIDR, originalmente usado nos protocolos IATF. Para começar a usar essa tecnologia, os data loggers são “ativados”, por meio de um software especial e inseridos por um aplicador especial.
Os data loggers são geralmente colocados em um grupo amostral que compreende cerca de 10% do número de vacas e permanecem por 24 a 72 horas, com uma frequência de leitura a cada 10 a 15 minutos. Após esse período, são retirados e as informações são baixadas em um software gráfico que mostra os resultados (veja as fotos abaixo).
O uso do dispositivo em vacas leiteiras começou em Israel há cerca de dez anos e, desde então, aumentou consideravelmente. Eu uso essa tecnologia em todos os projetos em que estou envolvido, em diferentes partes do mundo. Geralmente, os data loggers são usados para caracterizar o estado da fazenda em relação ao estresse térmico e para recomendar instalações e operações de resfriamento. Posteriormente, essa tecnologia é usada para monitorar a eficácia dos meios de resfriamento já em operação e fazer ajustes e melhorias para obter o melhor resultado possível.
A maneira como os data loggers nos permitem aprimorar o resfriamento e obter melhores resultados é apresentada pelas duas figuras abaixo, extraídas de um projeto que fiz com uma grande cooperativa de laticínios no norte do México. Os dados são retirados de uma fazenda de gado leiteiro com 3000 vacas e alto nível de produção. No verão de 2016, foram construídos “pátios de resfriamento especiais” na frente do pátio de espera, para que as vacas pudessem ser resfriadas, combinando umidificação e ventilação forçada por uma hora, antes de cada sessão de ordenha (um total de 3 horas cumulativas por dia).
Figura 1 – Temperatura vaginal ao longo do dia, quando as vacas foram resfriadas por 3 horas cumulativas por dia, antes de cada sessão de ordenha, a cada 8 horas.
Fig. 2 – Temperatura vaginal ao longo do dia, quando as vacas foram resfriadas por 6 horas acumuladas por dia, antes e entre cada sessão de ordenha, a cada 4 horas.
Como mostra a Figura 1, pode-se observar que o resfriamento das vacas a cada 8 horas não permitia que elas mantivessem a temperatura corporal normal ao longo do dia, passando grande parte acima de 39oC. Em contraste, como pode ser visto na Figura 2, resfriar as vacas por 6 horas cumulativas por dia (como atualmente recomendo) e em intervalos de não mais de 4 horas entre uma sessão e outra, impedia completamente o aumento da temperatura corporal e as vacas permaneciam em condições de conforto 24 horas por dia.
Devido à intensidade do resfriamento, a taxa de concepção de inseminações feitas no verão de 2016 (junho a outubro) foi superior a 30% e não diferiu da taxa de concepção nos meses de inverno, em comparação com resultados de 15% obtidos nos meses de verão entre 2013 e 2015. A produção média diária de leite por vaca nesta fazenda foi 4 litros mais alta no verão de 2016, em comparação com os verões anteriores.
Com base na minha experiência nos últimos anos usando o data logger em projetos em vários países, posso dizer que os resultados no norte do México são próximos do máximo que pode ser obtido com o tratamento de resfriamento em fazendas comerciais. Na maioria dos casos, como pode ser visto abaixo, existe uma dificuldade nas fazendas com alto nível de produção de leite e clima quente, em alcançar uma prevenção completa do aumento da temperatura corporal, como temos conseguido no México.
Recentemente, um grupo de pesquisadores da Organização Israelense de Pesquisa Agrícola realizou uma pesquisa em 18 fazendas leiteiras em Israel com um rendimento anual de 12.000 kg ou mais, localizadas em diferentes partes do país. Em cada fazenda, a temperatura vaginal de um grupo de 32 vacas foi monitorada, durante dois períodos de 72 horas, duas vezes durante o verão (julho a setembro). Nas conclusões da pesquisa acima mencionada, adicionei dados do “relatório de proporção verão/inverno” que é produzido todos os anos para cada fazenda em Israel. As fazendas da pesquisa foram divididas em 3 grupos diferentes, com base no número de horas ao longo do dia em que a temperatura corporal da vaca excedeu o normal. Os resultados são apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 – Desempenho produtivo e reprodutivo em fazendas leiteiras onde a temperatura vaginal da vaca ficou acima do normal por curto, médio e longo período de tempo durante o dia.
A partir dos dados apresentados na tabela 1, pode-se ver claramente que, nas condições de Israel, nenhuma das 18 fazendas do estudo conseguiu manter suas vacas em temperatura corporal normal durante todo o dia no verão. Também pode ser visto que há uma grande variação entre as fazendas no número de horas por dia que as vacas sofrem com o estresse térmico. A explicação para essa variação pode ser o nível extremamente alto de produção em algumas dessas fazendas (perto de 14.000 kg por ano), o grau de estresse térmico da região e a insuficiência dos procedimentos de resfriamento usados na fazenda. As vacas das fazendas do grupo “tempo curto” (onde as vacas provavelmente receberam o melhor tratamento de resfriamento) passaram uma média de 4,3 horas por dia em estresse térmico e não mais que 5 horas por dia. As vacas no grupo de “longo período de tempo” (onde provavelmente foi fornecido um resfriamento fraco), gastaram em média 9,2 horas por dia em estresse térmico, mais do que o dobro do tempo das vacas do grupo de “período curto”.
A “proporção verão/inverno” para a produção de leite (um índice calculado em Israel para cada fazenda no final de cada ano) teve uma média de 0,96 nos rebanhos do grupo “tempo curto”, em comparação com a proporção de 0,92 no “tempo longo”. A taxa de concepção das primeiras inseminações realizadas nos meses de verão foi de 43% e 30% nas fazendas “tempo curto” e “longo tempo”, respectivamente. A taxa de concepção de todas as inseminações nas mesmas fazendas foi de 33% e 21%, enquanto a diferença entre as taxas de concepção de inverno e verão foi entre 12 e 20 unidades percentuais nessas fazendas, respectivamente.
Deve-se levar em consideração que os números apresentados na tabela acima são médias e, portanto, indicam apenas uma tendência. Dentro de cada grupo, há uma minoria de exceções. No grupo “tempo curto”, há um número limitado de fazendas com desempenho relativamente baixo no verão e, por outro lado, fazendas com desempenho relativamente bom no verão nos rebanhos do grupo “tempo longo”. Deve-se entender que o número de horas por dia em que a temperatura corporal das vacas está acima do normal não indica necessariamente sua capacidade de atingir um bom nível de desempenho.
As taxas de concepção da primeira e de todas as inseminações foram significativamente mais altas no grupo “tempo curto” em comparação com os outros dois grupos. No entanto, mesmo nesse grupo, as taxas de concepção alcançadas no verão foram 12 pontos percentuais inferiores às obtidas no inverno. Ao longo dos anos em que elaboramos o relatório “proporção verão/inverno” em Israel, ainda não vimos taxas de concepção no verão, semelhantes às obtidas no inverno, mesmo quando se trata de fazendas com proporções de produção de leite de verão para inverno de 1,0 ou próximas a isso.
É verdade que em nosso projeto no México, as vacas mantiveram a temperatura corporal normal durante todo o dia no verão e, ao mesmo tempo, taxas de concepção de verão acima de 30%, semelhantes às obtidas no inverno. De qualquer forma, esses números ficaram entre 10 e 15 unidades percentuais abaixo do esperado no inverno. Muito provavelmente, as vacas desta fazenda apresentavam características de fertilidade relativamente baixas, devido a razões que não estavam relacionadas ao calor do verão, que as limitavam de cumprir seu potencial de concepção tanto no inverno como no verão. O único caso em que altas taxas de concepção no verão puderam ser alcançadas foi em um experimento que realizamos em meados dos anos 80 na fazenda experimental do Ministério da Agricultura em Israel. Neste estudo, vacas intensamente resfriadas foram capazes de manter a temperatura corporal normal durante todo o dia e durante todo o verão e atingiram taxas de concepção de verão de 50%, semelhantes às obtidas na época, em fazendas comerciais no inverno. Infelizmente, desde esse estudo, esses resultados não foram alcançados em outras fazendas em Israel.
O crescente número de fazendas comerciais em Israel e no mundo usando os data loggers como uma ferramenta de gerenciamento, pode nos dar a oportunidade de melhorar e otimizar os tratamentos de resfriamento fornecidos às vacas. Por um lado, permitirá verificar se, nos casos em que a temperatura corporal normal é atingida durante o dia no verão, é possível atingir taxas de concepção de 40% ou mais, como ocorre no inverno, e avaliar se o investimento necessário para alcançar esse objetivo é economicamente justificado. Por outro lado, permite obter produção de leite no verão semelhante à alcançada no inverno, mesmo quando as vacas passam várias horas por dia além da temperatura normal, pode ter sua importância econômica, pois permitirá definir prazos para o resfriamento, permitindo otimização econômica do processo.
Há alguns meses, estabelecemos uma empresa no Brasil denominada Cowcooling Flamenbaum and Seddon, Ltd. O objetivo de estabelecer esta empresa foi ajudar os produtores de leite brasileiros a instalar e operar adequadamente os meios de resfriamento e garantir que eles obtivessem os resultados esperados. Planejamos usar uma metodologia de trabalho já comprovada em muitos setores de lácteos no mundo. Como parte de nossa estratégia de trabalho, planejamos usar data loggers em cada fazenda que trabalha conosco e acreditamos que as informações obtidas, juntamente com nosso conhecimento e experiência neste tópico, permitirão ajudar muitos produtores de leite brasileiros a lidar com o calor e melhorar a rentabilidade de suas fazendas.