Estresse térmico e efeitos do resfriamento na economia das fazendas – Parte I – perdas econômicas
O estresse térmico é considerado um dos fatores mais influentes na lucratividade das fazendas leiteiras, principalmente nas regiões mais quentes do mundo. Nas conferências e publicações que fiz ao longo dos anos, lidei principalmente com os benefícios econômicos que podem advir da instalação e da operação adequadas dos meios para dissipar o calor gerado pelas vacas.
O objetivo deste artigo é conscientizar que a incapacidade de lidar com o estresse térmico tem grande importância financeira, refletida em uma perda de cerca de um terço ou mais do lucro líquido anual esperado.
Na primeira parte do artigo, descreverei como o estresse térmico prejudica o desempenho da fazenda, do ponto de vista profissional e econômico. Na segunda parte, mostrarei como o resfriamento adequado pode reduzir o impacto negativo e contribuir para a lucratividade da fazenda.
O estresse térmico leva as vacas a uma série de respostas comportamentais e fisiológicas, cada uma das quais gera redução na eficiência de produção e perdas financeiras para a fazenda leiteira. São elas:
Diminuição do consumo de alimentos: sob condições de estresse térmico, o consumo diminui, o que leva à redução da disponibilidade de nutrientes, necessária para a produção de leite. Isso resulta em uma diminuição na produção anual de leite pela vaca.
Eficiência alimentar: como dito, sob condições de estresse térmico, ocorrem alterações metabólicas que levam à redução da disponibilidade de nutrientes para fins produtivos. Ao mesmo tempo, uma parte da energia é consumida para a ativação dos mecanismos corporais de dissipação de calor (geralmente ineficazes), enquanto reduz a energia disponível para produção. Ao contrário do tópico anterior, no qual o consumo de alimentos diminui, aqui alguns dos alimentos que são servidos e consumidos simplesmente não servem a fins produtivos e, de fato, são desperdiçados.
Fertilidade reduzida: o estresse pelo calor reduz a duração e a intensidade dos “sinais de cio” da vaca. Paralelamente, a eficácia da inseminação artificial é reduzida. Após esses dois, o intervalo de “dias em aberto” se estende além do ideal, fato que reduz a eficiência da produção e aumenta a taxa de descarte involuntário, devido a esterilidade, que afetam negativamente o melhoramento genético da fazenda.
Insuficiência do sistema imunológico: em condições estressantes graves, incluindo estresse por calor, o sistema imunológico fica comprometido e há um aumento na frequência de doenças, especialmente perto do parto. Sabe-se que as “doenças do parto” são importantes causas de perdas econômicas, principalmente devido ao seu efeito negativo na determinação da curva de lactação e na produção total de leite.
Seguindo a descrição apresentada acima, tentarei apresentar como cada um desses canais está prejudicando o desempenho da vaca e quantificar suas perdas econômicas:
Redução da produção anual de leite da vaca: quanto maior o rendimento da vaca, melhor a “eficiência alimentar” (menor quantidade de alimento é necessária para a produção da unidade de leite). Isso pode ser explicado pelo fato de que a necessidade de alimentos para manutenção do corpo é constante e não depende do nível de produção. Deste modo, em vacas de alto rendimento, os nutrientes são “distribuídos” em mais litros.
Em uma pesquisa realizada há alguns anos em Israel, usando dados de mais de 20 anos de 40 fazendas leiteiras de larga escala, foi observado um aumento de 2.000 litros na produção média anual de leite por vaca (crescendo de 9.000 a 11.000 kg por ano). Consequentemente, a necessidade de alimentos para a produção de 1 kg de leite foi reduzida de 0,83 para 0,76 kg de matéria seca, uma melhoria de aproximadamente 10% na eficiência alimentar. Assumindo um custo diário de alimentação de R$ 20, uma média de 330 dias de ordenha por lactação e uma perda esperada de produção de 1000 kg de leite por lactação, devido ao fato de que não conseguir lidar com o estresse térmico, isso “custará” ao produtor no Brasil cerca de R$ 720 por vaca, anualmente.
Redução da eficiência alimentar: estudos e pesquisas recentes realizados nos EUA mostraram que a exposição de vacas a condições de estresse térmico reduziu a eficiência alimentar (conversão de alimento em leite) em 15%. Assumindo um custo médio diário de alimentação por vaca de R$ 20 e 120 dias de verão por ano, não lidar com o estresse térmico “custará” ao produtor no Brasil aproximadamente R$ 400 por vaca, anualmente.
Perdas de fertilidade devido ao prolongamento do “intervalo entre partos”: as vacas geralmente atingem uma taxa de concepção de 40% quando são inseminadas nos meses de inverno. A taxa de concepção cai para menos de 20% no verão, se as vacas não lidam com o estresse térmico. A diminuição para níveis tão baixos, por vários meses por ano, aumenta o período de “dias abertos”, além do desejado, em pelo menos 20 dias. Estimando um “preço” de cada “dia aberto” em aproximadamente US$ 5, as perdas dos produtores brasileiros atingirão aproximadamente R$ 400 por vaca, anualmente.
Maior frequência de eventos de doenças: de acordo com estudos veterinários israelenses, 5-10% das vacas no rebanho sofrem de infecção no úbere anualmente, 30% das vacas sofrem de infecção uterina, 20% delas sofrem de cetose e 10% das vacas sofrem de retenção de placenta. Quase 5 a 10% das vacas no rebanho abortam e 5% das vacas deixam o rebanho involuntariamente devido à esterilidade. Nas condições do rebanho israelense, a perda econômica de cada caso de infecção no úbere é de R$ 1.200, cada infecção uterina custa R$ 720 ao produtor, cada caso de cetose custa R$ 340 e a retenção de placenta causa a perda de R$ 680. Uma vaca abortada custa ao produtor R$ 2.000 e para cada vaca involuntariamente abatida do rebanho, o produtor “perde” R$ 7.200. Supondo que a taxa desses eventos aumente em apenas 10%, devido ao fato de o produtor não lidar com o estresse térmico do verão, as perdas chegarão a R$ 120 por vaca anualmente.
A soma das perdas totais por vaca, devido à incapacidade dos produtores israelenses de lidar com o estresse térmico do verão, pode atingir o valor de mais de R$ 1.400 por vaca, anualmente, representando a perda de mais de 20% do lucro líquido total por vaca.
O Dr. Vincent St. Pierre, economista e pesquisador da Universidade de Ohio, conduziu uma pesquisa, examinando o impacto das condições climáticas em diferentes partes dos EUA no desempenho e na lucratividade de vários setores da produção animal (pecuária leiteira e de corte, suínos e aves). O pesquisador analisou dados de 250 estações meteorológicas diferentes nos EUA nos últimos 50 anos e caracterizou a “intensidade de estresse térmico” nos diferentes estados, utilizando o Índice de Umidade e Temperatura (THI), com o valor 72 como o limite entre conforto térmico e condições de estresse térmico. O clima de cada um dos estados dos EUA foi caracterizado pelo cálculo da porcentagem de horas no ano, onde o THI excede 72. Os resultados desta pesquisa mostram que, em média, 14% das horas do ano nos EUA são consideradas estressantes para as vacas. Esse número difere quando se compara os estados do norte, onde essas condições não se aplicam ou tem taxas muito baixas, com outros estados (principalmente no sul), onde as vacas são expostas a condições de estresse térmico por quase metade do ano.
Observou-se que o percentual de vacas abatidas do rebanho foi 16 vezes maior nos estados quentes comparado aos frios (0,6 e 8%, respectivamente), enquanto o percentual de mortalidade aumentou 17 vezes (0,1% e 1,7 %, respectivamente). O número de “dias abertos” além do planejado foi de 9 e 60, respectivamente, nos estados frio e quente. Também foram observadas diferenças no consumo de ração da vaca, produção de leite e rentabilidade. Nos estados frios e quentes, houve queda, respectivamente, de 90 e 900 kg no consumo anual de matéria seca por vaca, perda de US$ 180 e US$ 1780 na produção anual de leite por vaca e perda de US$ 70 e US$ 675 na renda líquida anual. A vaca americana média (são 9 milhões delas) perde US$ 170 de sua receita anual potencial, totalizando US$ 1,5 bilhão por ano, como dano financeiro causado pelo estresse térmico do verão para a indústria de lácteos dos EUA.
Se pensávamos que o problema do estresse térmico no gado pertencia apenas às partes quentes do mundo, um estudo francês recentemente publicado mostrou o contrário, de modo que os países europeus também “entraram no clube”. Provavelmente, isso se deve, por um lado, a uma combinação de mudanças climáticas e ao aumento da frequência das ondas de calor na Europa e, por outro, ao aumento significativo no desempenho das vacas, alcançado nos últimos anos (o que significa um aumento na quantidade de calor metabólico que essas vacas geram e dissipam).
Os pesquisadores franceses caracterizaram as condições climáticas em diferentes países europeus, usando estações meteorológicas locais, e calcularam o número de horas por dia durante os meses de verão, durante os quais prevaleceram as condições de estresse por calor (acima do limite THI 68).
De acordo com os resultados de pesquisas anteriores do Arizona, as condições climáticas foram classificadas em leve (4 horas de estresse térmico por dia), média (9 horas por dia) e pesada (14 horas de estresse térmico ou mais). A perda esperada de leite nessas condições climáticas é de 1,1 kg, 2,7 kg e 3,9 kg por dia, para condições de estresse térmico leve, médio e pesado, respectivamente. Com base no trabalho do Arizona, as perdas de leite no verão foram calculadas em diferentes países europeus. O grau de declínio na Inglaterra foi o mais baixo, com aproximadamente duas horas de estresse por calor e uma perda esperada de leite de 0,7 kg por vaca por dia. Na França, a duração do estresse térmico atingiu 6 horas, com uma perda de leite de 1,8 kg por dia. Na Polônia, a duração do estresse térmico foi de 10 horas por dia e a perda de leite atingiu 3 kg por dia. As condições de estresse térmico na Espanha duraram 13 horas por dia e a perda de leite foi calculada em 4 kg por dia, enquanto as maiores perdas foram registradas no norte da Itália, com 18 horas de estresse térmico e 5 kg de leite por dia.
Ao revisar a literatura que trata dos meios de redução de calor e sua contribuição para o desempenho das vacas e a lucratividade da fazenda, concluiu-se que a aplicação do conhecimento existente nas fazendas leiteiras americanas tem o potencial de reduzir em quase 40% as perdas na produção de leite causadas por condições de estresse por calor descritas anteriormente neste artigo. Espera-se que as perdas totais para a indústria de laticínios dos EUA caiam de 1,5 para 0,9 bilhões de dólares por ano, quando os sistemas de resfriamento forem usados adequadamente e adaptados às condições climáticas de cada estado. É provável que com a reconsideração desse problema e com os avanços e melhorias feitos nos sistemas de resfriamento nos últimos vinte anos, a implementação de um resfriamento intensivo possa reduzir ainda mais as perdas causadas pelo estresse térmico no verão.
Este tópico será apresentado e discutido na segunda parte deste artigo, na qual será apresentada a contribuição do resfriamento na melhoria do desempenho da vaca e da lucratividade da fazenda.
Leia a segunda parte deste artigo aqui.